O Brasil está na rota de um novo movimento estratégico da China. Com os Estados Unidos fechando suas portas para a produção chinesa por meio de tarifas pesadas, o excedente industrial do gigante asiático está sendo redirecionado para países com menos barreiras. E entre os destinos mais acessíveis e atrativos, o Brasil aparece no topo da lista.

A ofensiva americana ganhou força com o aumento de tarifas sobre dezenas de categorias de produtos chineses, incluindo itens de alto valor agregado como veículos elétricos, semicondutores, painéis solares e equipamentos industriais. Em alguns casos, as taxas ultrapassam os 200%, praticamente inviabilizando a presença desses produtos no mercado norte-americano.

Com essa rota comprometida, a China recorre a uma estratégia clássica: desovar o excesso de produção em mercados abertos e com potencial de consumo.

Brasil vira canal de escoamento

Dados da Organização Mundial do Comércio indicam que as exportações chinesas para a América do Sul devem crescer 9% em 2025, com o Brasil liderando como principal comprador. A relação já é forte: a China é o maior parceiro comercial do país, e o Brasil oferece escala, logística e pouca resistência tarifária — ao menos por enquanto.

Desde o estouro da bolha imobiliária em 2021, o consumo interno na China perdeu força. Mesmo assim, o país mantém sua gigantesca máquina industrial em pleno funcionamento. Nos últimos anos, o governo chinês injetou quase US$ 2 trilhões em crédito em setores considerados prioritários, como energia limpa e tecnologia automotiva.

Essa produção, agora sem mercado doméstico suficiente, precisa ser escoada — e o Brasil está no caminho dessa estratégia.

Carros elétricos, baterias e aço no centro do debate

O setor automotivo é talvez o exemplo mais visível dessa reconfiguração. Em 2023, a China se tornou a maior exportadora de automóveis do mundo, e hoje responde por 85% dos carros elétricos importados pelo Brasil, segundo dados da Anfavea.

Além disso, marcas chinesas estão se estabelecendo no país. A BYD ocupa a antiga planta da Ford na Bahia e a GWM assumiu uma fábrica da Mercedes-Benz em São Paulo. Ambas pretendem usar o Brasil como base de produção para atender toda a América Latina.

A concorrência tradicional, representada por montadoras como Volkswagen, Toyota e Stellantis, reagiu com uma onda de investimentos superiores a R$ 100 bilhões até 2030, além de acusações de dumping por parte das novas concorrentes chinesas.

O mesmo acontece no setor de energia solar: hoje, cerca de 90% dos painéis instalados no Brasil vêm da China, resultado de uma ofensiva parecida iniciada após as tarifas impostas por Trump em seu primeiro mandato.

O risco de virar apenas mercado consumidor

A presença chinesa no Brasil vai além das exportações. Envolve infraestrutura, acordos diplomáticos e interesses estratégicos. Em 2024, o governo brasileiro assinou 37 acordos com a China, reforçando os laços comerciais e políticos.

A pergunta que fica é: o Brasil está ganhando posição como ator global ou apenas recebendo a sobra da superprodução alheia?
A chegada de produtos mais acessíveis tem seus benefícios, mas também pressiona a indústria nacional — que corre o risco de perder espaço, escala e competitividade.

A maré chinesa está subindo. Resta saber se o Brasil terá equilíbrio para aproveitar o momento com inteligência estratégica — ou se vai acabar submerso na lógica de ser apenas um mercado de destino.