Em 1998, o geólogo Sidiki Koné abriu caminho a pé pelas florestas altas da Guiné para mapear um depósito que o mundo levaria décadas para ver de pé. Vinte e sete anos depois, Simandou enfim sai do papel: a ferrovia começou a operar, o porto dedicado está pronto e os primeiros embarques devem partir até o fim de 2025. Não é um projeto qualquer — é o maior empreendimento de mineração em curso na África, com US$ 23 bilhões em investimentos e reservas estimadas em 3 bilhões de toneladas de minério de alto teor.

Por que importa

Simandou entra em um mercado historicamente concentrado em Vale, BHP e Rio Tinto e num momento em que a China — maior compradora mundial — busca reduzir dependências e ganhar poder de barganha sobre preços. Hoje, a Rio Tinto detém cerca de 25% da mina (e é a única grande ocidental no consórcio principal); do outro lado, grupos chineses controlam a maior parte da infraestrutura e da segunda frente de lavra. O efeito combinado da entrada de Simandou pode equivaler a ~5% da oferta global quando as duas frentes atingirem ritmo de cruzeiro, pressionando prêmios de qualidade e o preço de referência.

A engenharia que destravou o projeto

O que manteve Simandou no limbo por anos não foi a geologia, mas logística, política e governança: golpes, disputas de licenças e escândalos afastaram capital. O ponto de virada veio com o modelo integrado de infraestrutura (ferrovia de ~600 km + porto de alto calado) replicado a partir de padrões chineses já testados. Na prática: obras modulares, cronogramas comprimidos e uma governança que acomodou Estado guineense (15%), Rio Tinto e o consórcio liderado pela WCS.

Impacto no tabuleiro

– Preço e prêmios: minério de alto teor (>65% Fe) tende a comprimir spreads de qualidade e dar mais opções às siderúrgicas chinesas, reduzindo a dependência de blends australianos e brasileiros.

– Poder de compra: com a estatal CMRG coordenando compras e a Baowu entre as âncoras do projeto, Pequim ganha tração na formação de preço do seaborne iron ore.

– Concorrentes: previsões internas do setor já trabalham com preço médio mais baixo nos próximos 2–3 anos conforme Simandou escala. Mesmo cenários otimistas têm dificuldade de sustentar cotações consistentemente acima de US$ 100/t.

– Guiné: o FMI estima salto do PIB na próxima década. O governo lançou o plano “Simandou 2040” para converter royalties em infraestrutura e diversificação — a grande prova será evitar a maldição dos recursos.

Custos e contrapesos

O corredor mina-porto atravessa áreas de alta biodiversidade (habitat crítico do chimpanzé da África Ocidental) e impacta centenas de aldeias. O ritmo industrial é colossal: >140 locomotivas, trens de 8 mil toneladas, 300+ pontes e um navio por dia quando a capacidade plena for atingida. O desafio de longo prazo será conciliar escala, transparência e mitigação ambiental — condição para manter a licença social e reputacional do projeto.

O que observar daqui para frente

1. Rampa de produção: metas de 60 Mtpa em ~30 meses no eixo Rio Tinto; cronograma da WCS para igualar o volume.

2. Qualidade e blend: como o 65% Fe de Simandou se posiciona contra Carajás (Vale) e lumps/fines australianos.

3. Preço e spreads: comportamento do 62% Fe e do prêmio do 65% à medida que a oferta chega.

4. China: coordenação da CMRG e a política industrial das siderúrgicas (uso, estoques e margens).

5. Guiné: governança de receitas, rating soberano, e a eventual siderurgia local exigida em estudo pós-start-up.