Com apoio bilionário do governo, empresas americanas tentam reerguer uma cadeia produtiva estratégica, décadas após deixarem o setor escapar para o Oriente
Em meio a fornos de quase mil graus no Texas e minas isoladas no deserto da Califórnia, os Estados Unidos estão tentando algo ambicioso: recuperar o protagonismo perdido na produção de terras raras — os metais que dão vida a tecnologias modernas como veículos elétricos, turbinas eólicas, smartphones e até sistemas de mísseis.
Por décadas, os EUA lideraram esse setor. Mas ao longo dos anos 1990, viram a indústria minguar e migrar para a China, que hoje domina mais de 90% do mercado global de ímãs produzidos com esses metais. Agora, sob um misto de urgência econômica e preocupação geopolítica, o país tenta voltar ao jogo.
No centro desse movimento está a MP Materials, uma empresa americana que recebeu aportes de gigantes como Apple e General Motors, além de subsídios do Pentágono, e que hoje lidera o renascimento da cadeia produtiva nos EUA. Em sua nova fábrica no Texas, batizada simbolicamente de “10x”, a MP promete multiplicar por dez sua capacidade de produção de ímãs. A ideia é clara: reduzir a dependência de Pequim e garantir que setores estratégicos tenham alternativas locais.
A importância dos metais invisíveis
Apesar do nome pouco conhecido, as terras raras são fundamentais para a vida moderna. São 17 elementos químicos que, quando refinados, geram materiais com propriedades magnéticas e térmicas únicas. Ímãs feitos com neodímio, disprósio e praseodímio, por exemplo, são usados em motores elétricos, aviões, computadores e tecnologias militares avançadas.
O problema? Processar essas substâncias é caro, exige grande conhecimento técnico e, até aqui, a China tem oferecido tudo isso com eficiência — inclusive aceitando os danos ambientais que o refino pode causar. Ao se tornar praticamente a única fornecedora global, o país transformou os metais em uma poderosa ferramenta diplomática.
Um desafio que exige tempo, dinheiro e talento
A MP Materials sabe que não se reconstrói uma indústria do zero da noite para o dia. Desde que assumiu o controle da mina de Mountain Pass — a maior fonte de terras raras fora da Ásia —, a empresa precisou aprender quase tudo de novo: extrair, separar, purificar e transformar os minerais em ímãs de alta performance.
Para isso, precisou reunir cientistas, engenheiros e especialistas que estavam aposentados, dispersos ou empregados no exterior. Criou centros de testes, fez parcerias com universidades e, pouco a pouco, vem conseguindo dominar processos que ficaram esquecidos por décadas.
A jornada não foi linear. Em meio à superprodução chinesa, os preços globais dos metais caíram, investidores perderam a paciência e as ações da empresa despencaram. Ainda assim, a MP seguiu adiante — e agora colhe os frutos de sua persistência.
A nova fase: segurança de fornecimento, a qualquer custo
Com os conflitos comerciais entre EUA e China ganhando novos capítulos a cada ano, o interesse dos governos e da indústria em diversificar fornecedores se intensificou. A MP firmou contratos com a Apple, que espera usar ímãs de terras raras recicladas em seus dispositivos, e com a General Motors, que busca blindar sua cadeia de suprimentos para os veículos elétricos.
O Departamento de Defesa dos EUA também entrou em campo, investindo diretamente na companhia e se tornando um de seus maiores acionistas. O objetivo não é apenas econômico — é estratégico. Em tempos de tensão global, depender de um único país para um insumo tão sensível virou um risco inaceitável.
O que vem pela frente?
Apesar dos avanços, o caminho ainda é longo. Os EUA terão que superar a defasagem técnica, escalar a produção, enfrentar os custos mais altos (comparados aos praticados na China) e criar um ecossistema de fornecedores locais.
Mas os sinais de mudança estão no ar. Novas empresas começam a surgir em estados como Carolina do Norte, Texas e Califórnia. Algumas delas, com apoio do governo americano, preparam fábricas capazes de produzir milhares de toneladas de ímãs por ano — o suficiente para atender parte relevante da demanda doméstica.