Tarifas mais altas. Câmbio desfavorável. Ouro em alta. Colecionar relógios nos Estados Unidos, que vinha sendo um alívio para o setor relojoeiro suíço, está prestes a se tornar um hobby ainda mais caro. E o impacto disso pode ser decisivo para o futuro das marcas no principal mercado do ocidente.
Em um novo decreto emitido no fim de maio, Donald Trump elevou a tarifa de importação de relógios suíços de 10% para 39% — superando até a ameaça anterior de uma taxação de 31%. A medida ainda pode ser contestada ou renegociada, mas a data de implementação já foi definida: 7 de agosto.
A notícia caiu como uma bomba no setor. Afinal, enquanto outros mercados vinham recuando — como o asiático e, principalmente, o chinês —, os Estados Unidos mantinham um fôlego raro para as marcas de luxo. Só no primeiro semestre, a Swatch Group (dona da Omega, Longines e Tissot) viu as vendas no país crescerem dois dígitos. A Richemont, holding por trás da IWC e da Vacheron Constantin, também registrou crescimento superior a 10% na região das Américas por três trimestres consecutivos.
Mas o novo pacote de tarifas pode mudar esse cenário rapidamente.
O triplo golpe: tarifas, câmbio e ouro
Para os colecionadores americanos, o momento é de pressão de todos os lados. Além das tarifas, o franco suíço valorizou 11% sobre o dólar em 2025, e o ouro subiu mais de 25% no ano. O resultado? Um Rolex Daytona em ouro amarelo custa hoje, em média, 14% a mais do que em 2024.
Mesmo antes da nova tarifa entrar em vigor, as marcas já estavam reajustando seus preços para compensar a compressão das margens. Isso pode colocar em risco justamente o mercado que mais crescia: desde 2019, as exportações de relógios suíços para os EUA avançam 14% ao ano, quase o triplo da média global.
O mercado americano tem espaço para crescer — mas com ressalvas
Apesar do otimismo recente, o consumo de relógios de luxo per capita nos EUA ainda é baixo quando comparado ao Reino Unido e à Europa continental. Mas isso está mudando. Segundo Brian Duffy, CEO da Watches of Switzerland, os americanos estão comprando mais, mais cedo — e com mais apetite por modelos sofisticados.
Hoje, 45% das vendas da varejista no país vêm de colecionadores experientes — o dobro da fatia registrada no Reino Unido. Além disso, o público americano é, em média, 10 anos mais jovem que o de outros mercados, o que renova o potencial de consumo no longo prazo.
Mas essa mesma base mais engajada também é a mais sensível a preços. E é aí que entra um fator crítico para o futuro do setor: o mercado de usados.
Relógios usados: de exceção a termômetro do setor
O mercado secundário, antes visto como uma alternativa marginal, agora movimenta quase um terço de todas as vendas globais de relógios de luxo, segundo a WatchCharts. A demanda por peças usadas cresceu tanto que já influencia os preços e decisões de compra no mercado primário.
Plataformas como Chrono24, WatchBox e a própria WatchCharts ajudam consumidores a entender quais modelos mantêm valor de revenda, quais desvalorizam rápido — e onde estão as melhores oportunidades.
E isso tem duas implicações diretas para as marcas:
Se os preços subirem demais no varejo tradicional, o consumidor pode migrar para os usados.
A facilidade de comparação e a alta liquidez de certos modelos tornam os aumentos de preços muito mais arriscados.
O estudo mais recente do Morgan Stanley com a WatchCharts mostra que a procura por relógios usados cresce mais rápido do que a dos novos — e os preços vêm caindo por 13 trimestres consecutivos, com o aumento da oferta.
Uma década de desafios para o setor
Desde 2015, o valor total das exportações suíças de relógios cresceu 20%. Mas o número de unidades vendidas caiu 45%. A razão? O avanço dos smartwatches — com o Apple Watch como principal vilão.
O impacto maior foi nos modelos de entrada, abaixo de US$ 625, que perderam quase 60% do volume de vendas. Enquanto isso, as marcas independentes e escassas como Rolex, Patek Philippe e Audemars Piguet sustentaram o topo do mercado, com listas de espera cada vez maiores.
Com a China desacelerando e a Europa estagnada, os EUA se tornaram o último grande bastião de crescimento para a indústria. As tarifas de Trump colocam esse bastião sob risco.
E num setor que depende tanto de imagem, percepção e status, aumentar o preço enquanto o concorrente do mercado paralelo cobra menos pode ser um movimento com alto custo.