Por décadas, a soja funcionou como uma ponte silenciosa entre Estados Unidos e China — um fluxo constante de navios que mantinha produtores americanos em atividade e alimentava a maior população do planeta. Mas, nos últimos anos, esse equilíbrio virou uma arena geopolítica. Hoje, cada saca colhida no Meio-Oeste americano pode ser usada como alavanca estratégica por Pequim, pressão política em Washington e munição econômica para outros países.

E poucos sentiram isso de forma tão direta quanto os agricultores americanos.

Quando uma crise na Argentina derruba a soja dos EUA

Dean Buchholz, produtor de Illinois, achou que já conhecia todos os riscos do mercado global. Até que, semanas após os EUA anunciarem um empréstimo bilionário para socorrer a economia argentina, a China fechou um megacontrato para comprar soja — não dos americanos, mas dos argentinos.

A decisão sacudiu o mercado internacional. Os preços da soja dos EUA caíram imediatamente, enquanto a moeda argentina ganhou fôlego. Buchholz resume o sentimento de muitos colegas:

“A gente ajudou um país amigo, e depois viu nossa soja perder espaço para eles.”

O gesto chinês foi um recado claro: a maior compradora mundial pode substituir seus fornecedores quando quiser.

Um acordo recente não dissipou a desconfiança

Na Coreia do Sul, Donald Trump e Xi Jinping concordaram em reduzir tensões. A China prometeu adquirir 12 milhões de toneladas da safra americana atual e 25 milhões de toneladas anuais nos próximos três anos, vinculando o compromisso à restrição de exportações de insumos usados na produção de fentanil.

O Tesouro americano celebrou o acerto. Mas, no campo, o humor é outro.

Os produtores lembram que a China comprava, em média, 29 milhões de toneladas por ano — mais do que o prometido agora. E muitos continuam céticos sobre a disposição de Pequim de cumprir compromissos a longo prazo.

Mesmo com acordo, a matemática não fecha

Nos principais terminais agrícolas do Meio-Oeste, o preço oferecido segue abaixo do nível que cobre custos. Em Dakota do Norte, a soja recentemente negociada a menos de US$ 10 por bushel deixa a conta no vermelho para a maior parte dos produtores.

Marvin Yoder, agricultor de Illinois, rodou mais de 100 quilômetros para conseguir alguns centavos a mais por bushel. Ainda assim, diz que o problema central permanece:

“Enquanto o Brasil continuar crescendo tão rápido, não dá para saber quando nossos preços vão melhorar.”

Brasil e Argentina aproveitaram o vácuo

O Brasil, há mais de uma década líder mundial nas exportações de soja, fornece hoje cerca de 70% das compras chinesas. A expansão foi impulsionada por tecnologia, câmbio favorável, logística crescente e investimentos pesados — muitos deles financiados, direta ou indiretamente, por empresas chinesas.

A Argentina, por sua vez, suspendeu a taxa de exportação e vendeu quase todo o volume liberado direto para Pequim. O timing coincidiu com negociações financeiras envolvendo os EUA, aumentando o desconforto entre agricultores americanos.

Logística global virou arma diplomática

Empresas gigantes como Cargill e ADM movimentam soja de onde estiver disponível, muitas vezes priorizando operações mais vantajosas fora dos EUA. Não é uma questão de patriotismo, e sim de margens.

Brian Sikes, CEO da Cargill, foi direto recentemente:

“A América do Sul é um investimento estratégico.”

O mesmo vale para a China, que financia terminais, estradas, ferrovias e elos logísticos que fortalecem sua própria segurança alimentar — e reduzem a dependência dos EUA.

Há novos compradores, mas nenhum substitui a China

Mercados como Egito, Marrocos, Tailândia e Bangladesh ampliaram as compras. Contudo, esses volumes não dão previsibilidade. As compras chinesas, quando aconteciam em ritmo semanal, estabilizavam preços. As demais são irregulares, elevam custos de armazenagem e dificultam o planejamento.