O mercado brasileiro vive um fenômeno curioso. Mesmo com o Ibovespa acumulando forte alta nos últimos meses, as operações que apostam na queda — o famoso “aluguel de ações” para vender a descoberto — explodiram. Segundo dados do DataWise+ (B3 + Neoway), o volume movimentado saltou de R$ 216 bilhões para R$ 332 bilhões entre outubro de 2024 e outubro de 2025, um crescimento de 53% em apenas um ano.

Por que tantos estão apostando na baixa

O rali da Bolsa, somado aos juros elevados e à oscilação das commodities, fez muitos investidores acreditarem que parte do mercado corre o risco de devolver ganhos. Nesse ambiente, operações de venda a descoberto deixam de ser exceção e viram ferramenta estratégica. Quando um investidor acredita que determinado papel vai cair, ele aluga as ações, vende imediatamente e recompra mais barato quando o preço cai — devolvendo ao dono original e ficando com o lucro.

Ao contrário de uma compra tradicional, essa operação exige pouco desembolso inicial, pois envolve apenas o pagamento da taxa de aluguel. Mas o risco corre na mesma proporção: se o ativo sobe, o prejuízo escala rápido.

O efeito dominó dos “espremidos”

Quando muitos investidores apostam conjuntamente na queda e o papel começa a subir, acontece a corrida para recomprar ações antes que as perdas piorem. Essa pressão acelera a alta. É o chamado short squeeze — um dos eventos que mais assusta quem está vendido.

Quem mais está por trás desse movimento

Os fundos continuam sendo protagonistas dos dois lados do balcão: tanto como tomadores (47% das operações) quanto como doadores (41%). As pessoas físicas apareceram com força entre os doadores, representando 33% dos ativos ofertados para aluguel — um modo de gerar renda extra com a própria carteira. No terceiro trimestre, a remuneração recebida pelos doadores chegou a R$ 76,8 milhões, alta de quase 16% em um ano.

Commodities, juros e incerteza: juntos, eles influenciam

As grandes empresas de commodities também ajudam a explicar o aumento das vendas a descoberto. Petrobras enfrentou volatilidade no petróleo, longe da expectativa inicial de preços acima dos US$ 80. Na Vale, o minério chegou a recuar 10% em abril, alimentando revisões pessimistas. E, com juros no maior nível em uma década, cresce a sensação de que parte das ações pode estar “adiantada” em relação aos fundamentos.

O mercado de aluguel como termômetro de maturidade

O aumento expressivo das posições vendidas não é sinônimo de pessimismo generalizado. Pelo contrário: ele mostra um mercado mais sofisticado, com investidores usando instrumentos para expressar visões mais complexas sobre preço e risco. Para quem investe no longo prazo, o movimento tem até um efeito colateral positivo: maior demanda por aluguel significa mais renda para quem empresta seus papéis.

A Bolsa em equilíbrio: compradores confiantes e vendedores atentos

No fim das contas, o crescimento das apostas na queda é reflexo de uma Bolsa madura, com diferentes teses convivendo ao mesmo tempo. Há quem veja espaço para mais alta; há quem antecipe correções. E no meio dessas duas narrativas, um mercado de aluguel robusto, líquido e cada vez mais relevante — sustentando o diálogo entre otimismo, cautela e oportunidade.